a
arbitragem permite que as partes ao firmarem um contrato determinem que as
controvérsias dele surgidas serão resolvidas por árbitros independentes e
imparciais indicados por elas, afastando a submissão da questão ao Judiciário.
A Lei de Arbitragem, conhecida como Lei Marco Maciel, Lei nº 9.307, de 1996,
comemorou 13 anos de vigência neste mês.
A lei
propiciou uma mudança no modo de pensar e agir da comunidade jurídica
brasileira. Foi a catalisadora de uma nova tendência e abriu as portas a esta
célere forma de administrar a Justiça. Antes dela, com exceção dos que firmavam
contratos internacionais com cláusula compromissória e participavam de
arbitragens no exterior, os demais raramente se deparavam com uma arbitragem no
âmbito doméstico.
Na década
de 90 havia dois julgados nos tribunais superiores. O recurso especial (RE) nº
15.231-RS e o RE nº616-RJ (Ivarans Rederi e Companhia de Navegação Lloyd
Brasileiro). No primeiro, o ilustre relator ministro Sálvio de Figueiredo ao
validar uma arbitragem gaúcha constatou que a arbitragem era "instituto de
raríssimo, ou quase nenhum uso entre nós." No segundo caso, pela primeira
vez se aplicou o Protocolo de Genebra sobre Cláusulas Arbitrais em vigor no
Brasil desde 1932. Eram as joias raras citadas nos eventos arbitrais, escassos
em número e em público, que se realizavam em São Paulo e Rio de Janeiro.
Ainda,
durante quase cinco anos alguns dos dispositivos da Lei de Arbitragem tiveram a
constitucionalidade apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2001, a
decisão do Supremo, por maioria, selou a adequação da legislação.
Pesquisa
realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (Direito FGV/SP) e
do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) nos tribunais estaduais e superiores
(excluídos os tribunais trabalhistas) compilou 790 decisões desde a vigência da
Lei de Arbitragem até fevereiro de 2008. Apurou-se número reduzido de sentenças
arbitrais anuladas que estavam em desacordo com a lei. Geralmente envolviam
pessoas físicas e demandas de valores reduzidos.
Outra
pesquisa avaliou os valores envolvidos em arbitragens em cinco câmaras de
arbitragem em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte de 2005 a 2008. Os
valores atingiram aproximadamente R$ 2,5 bilhões em 121 arbitragens.
A
operacionalização da arbitragem por meio das câmaras e centros de arbitragens
idôneos constitui um diferencial, pois em tão pouco tempo as câmaras de
arbitragem especializadas em matérias empresariais atingiram níveis de
profissionalismo comparáveis às congêneres no exterior e estão surpreendidas
com a quantidade da demanda.
Na área
acadêmica o cenário positivo é idêntico. Neste ano, seis universidades
brasileiras participaram do 16º campeonato de arbitragem internacional em
Viena, que contou com 223 universidades de âmbito mundial. Pela primeira vez
uma universidade da América Latina chega às finais e este feito se deve aos
alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A produção
acadêmica de monografias e teses de pós-graduação é surpreendente, sem dizer
ainda a farta doutrina de qualidade com trabalhos importantes, inclusive no
âmbito internacional. Verifica-se que a arbitragem é um instituto jurídico
universal, em razão dos contratos do comércio internacional. Note-se que o
Brasil já é considerado uma das melhores praças para sediar arbitragem na
América Latina. Basta participar de congressos internacionais para verificar o
prestígio brasileiro alcançado na área. Em 2010, por exemplo, o Brasil sediará
pela primeira vez um Congresso da "Internacional Council for Commercial
Arbitration" (ICCA), líder mundial na matéria.
Afere-se,
portanto, um enorme salto quantitativo e qualitativo. A primeira causa desta
mudança de comportamento e aderência à arbitragem está no teor da própria Lei
de Arbitragem, que soube contrabalançar a liberdade, a flexibilidade e a
igualdade. A lei transfere à sociedade a responsabilidade de eleger seus
próprios julgadores (árbitros) entre os cidadãos de bem. Segundo, a rapidez dos
julgamentos contribui para a redução dos custos de transação. Um processo
arbitral dura em média de sete meses a um ano e dois meses, no Judiciário serão
anos e a submissão a uma pletora de infindáveis recursos. Atualmente, somente
na Justiça paulista tramitam mais de 18 milhões de processos.
Acresce à
especialidade do árbitro sua disponibilidade em atuar com mais celeridade do
que um juiz, que expede centenas de sentenças por mês. Um árbitro competente
ditará, provavelmente, 20 sentenças por ano. Ademais, quase sempre a sentença
arbitral é proferida por três árbitros (tribunal arbitral). São três pessoas
para avaliar os diversos matizes da questão, em que os fatos são analisados com
mais tempo e consequente acuidade.
Mas
apesar deste quadro positivo, ainda há áreas a serem desenvolvidas e aclaradas.
Na questão da arbitragem trabalhista, não há razão para vedar a eleição da
arbitragem quando a escolha é espontânea e se trata de cláusulas econômicas
(salário, horas extras etc). Há a necessidade de termos ementários de decisões
arbitrais, para que o conteúdo científico seja divulgado, preservando a
identidade das partes. Nestes tempos de crise econômica mundial, conceitos como
a alteração das circunstâncias e a onerosidade excessiva são tratados
admiravelmente nas sentenças arbitrais e mereceriam ser divulgados, para criar
uma jurisprudência arbitral espontânea, tal como ocorre no exterior.
Também as
universidades deveriam ministrar adequadamente a disciplina e fomentar os
métodos extrajudiciais de solução de conflitos, tais como a mediação e a
conciliação ao lado da arbitragem, formando profissionais mais capacitados para
a negociação e não apenas para a aridez do conflito. Há também a necessidade de
se afastar tentativas espúrias de alteração na lei, tais como a que pretende
criar a "profissão de árbitro" ou a que confunde os cartórios
notariais com câmaras de arbitragem.
*Selma Ferreira Lemes é advogada, mestre e
doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Arbitragem do GVLAW -
Direito FGV/SP. Integrou a comissão relatora da Lei de Arbitragem.